Spin Room

No pós-debate, é na "spin room" que se trava o confronto político. Um espaço tão tradicional quanto polémico e que continua a dividir opiniões.

“Tonight at about 9:30, seconds after the Reagan-Mondale debate ends […] a dozen men in good suits and women in silk dresses will circulate smoothly among the reporters, spouting confident opinions”.

[«Esta noite, por volta das 21h30, segundos depois do fim do debate Reagan-Mondale […] uma dúzia de homens em bons fatos e de mulheres em vestidos de seda vão circular calmamente entre os repórteres, jorrando opiniões confiantes»].

 

 

“They’ll be the Spin Doctors, senior advisers to the candidates, and they’ll be playing for very high stakes. How well they do their work could be as important as how well the candidates do theirs”.

[«Ele serão os Spin Doctors, conselheiros seniores dos candidatos, e vão jogar um jogo muito duro. A forma como fazem o seu trabalho pode ser tão importante quanto a forma como os candidatos fazem o seu»].

As palavras são de Jack Rosenthal. Era outubro de 1984, o debate entre Reagan e Mondale acabava de terminar e o jornalista do The New York Times testemunhava o nascimento da spin room.

Nasce uma tradição

Spin room, ou spin alley, foi o nome dado ao local onde, após o debate, se juntaram os assessores da campanha, os representantes dos partidos e, por vezes, até os próprios candidatos, todos com um só objetivo: fazer spin.

Noutras palavras, promover a «deliberate shading of news perception; attempted control of political reaction» [«alteração deliberada da perceção noticiosa; tentativa de condução da reação política»].

O The Evening News publicava, a 13 de outubro de 1984, uma peça sobre o fenómeno.

“While it looked to most people as if Mondale had performed considerably better than Reagan, the main mission of the “spin patrol” was to spread the view that Mondale had not scored the ‘knock-out punch’ he needed to give new life to his underdog campaign”.

[«Embora parecesse à maioria das pessoas que Mondale tinha tido uma prestação consideravelmente melhor do que a de Reagan, a principal missão da “spin patrol” era difundir a visão de que Mondale não tinha conseguido o “murro de knock-out” que precisava para dar vida à sua campanha de underdog»].

O spin não nasceu com as presidenciais de 1984, mas a spin roomtornou-se, desde esse debate, uma tradição que acompanha a vida política norte-americana.

Na história do spin, destaca-se um nome: Lee Atwater.

Assessor de Reagan na campanha de 1984, Atwater é considerado uma das superestrelas do spin pela forma como se relacionava com os repórteres no frenesim do pós-debate.

Lyn Nofziger, que trabalhava com Atwater na equipa de Reagan, relembra os momentos que se seguiram ao primeiro debate presidencial:

“Lee was telling us: ‘now we’re gonna want to go out and spin this’ […] meaning making it look like Reagan had won the debate, which ordinarily would not have been hard to do, but […] that debate was kind of a disaster for Reagan. […] I must tell you, I was very uncomfortable spinning that.”

[«Lee disse-nos: “agora vamos querer ir lá fora e fazer spin disto” […] o que significava fazer parecer que Reagan tinha ganho. Em circunstâncias normais, isso não seria difícil, mas […] aquele debate foi uma espécie de desastre para Reagan. […] Devo confessar que, para mim, foi muito desconfortável fazerspin daquilo»].

O próprio candidato presidencial parecia pouco convencido do poder do spin.

Edward J. Rollins, diretor da campanha, conta que Reagan lhe disse que nenhum spin iria convencer os jornalistas de que a sua prestação no debate tinha sido boa; cabia a si próprio fazer melhor no próximo confronto com Mondale.

Duas semanas depois, Reagan brilhava no debate, com a famosa frase “I am not going to exploit, for political purposes, my opponent's youth and inexperience” [«Não vou explorar, para propósitos políticos, a juventude e inexperiência do meu oponente»].

Um momento que, reconheceu Mondale, acabou com a sua campanha e contribuiu para a vitória da Reagan nas presidenciais.

O jogo político

Depois da experiência inicial de 1984, a spin room prometia tornar-se uma tradição no rescaldo dos debates presidenciais.

Nesses primeiros anos, o spin era considerado como parte do jogo político, onde os jornalistas eram, tal como os candidatos e os representantes dos partidos, participantes ativos.

“Even with the Spin Doctors at work, the printed page and the television screen offer a range of judgments, like the gymnastic judges at the Olympics”, escreveu Jack Rosenthal no The New York Times.

[«Mesmo com os Spin Doctors em ação, a imprensa e a televisão oferecem uma série de juízos, como os jurados de ginástica nos Jogos Olímpicos»].

Em 1996, nas presidenciais que opuseram Clinton e Dole, os jornalistas foram, pela primeira vez, obrigados a apresentar as suas credenciais para poder aceder à spin room.

Lá dentro, centenas de repórteres procuravam captar as melhores imagens e reações.

“Everywhere you looked there were clusters of media people surrounding spinners and surrogates, whose names were printed on laminated red signs held high above the crowd by aides. I felt like I was standing in the middle of one of my own damn cartoons come to life”, escreveu Tom Tomorrow, na Salon.

[«Para onde quer que se olhasse, existiam concentrações de pessoas dos media a rodear spinners e surrogates, cujos nomes estavam impressos em cartazes vermelhos laminados, levantados acima da multidão por assistentes. Senti que um dos meus malditos cartoons estava a ganhar vida e que eu estava lá no meio»].

Contudo, começavam a levantar-se algumas vozes críticas.

“Who won? Who lost? Who made the biggest gaffe? […] The news media base their judgment, in part, on the consensus of those semi-professional referees known as spin doctors. […] The spin meisters’ verdicts are just as predictable as their presence”, escreveu Deborah Potter no The Christian Science Monitor.

[«Quem ganhou? Quem perdeu? Quem cometeu a maior gaffe? […] Os meios noticiosos baseiam, em parte, o seu julgamento no consenso desses árbitros semi-profissionais conhecidos como spin doctors. […] Os vereditos dos mestres do spin são tão previsíveis como a sua presença»].

Onde se vencem as eleições

O ciclo eleitoral mudou, mas a atmosfera única e o ritmo alucinante da spin room mantiveram-se.

Em 2000, Al Gore e Bush batalhavam pelo lugar na Casa Branca.

“Five minutes before the debate ended, the spinners descended. Ed Rendell, Condi Rice, Karen Hughes, Andrew Cuomo worked the room full of reporters, cruising for interviews, soliciting interest, begging, essentially, for a chance to sell their guy”, relatou Jessica Reaves, da Time.

[«Cinco minutos antes de o debate terminar, os spinners desceram. Ed Rendell, Condi Rice, Karen Hughes, Andrew Cuomo circularam pela sala, à procura de entrevistas, solicitando interesse, suplicando, essencialmente, por uma oportunidade de promover o seu candidato»].

Também Chuck Raasch, da USA Today, manifestava o seu desagrado.

“The most absurd exercise in American politics always takes place in the hectic moments after a debate. It’s ‘Spin Alley,’ where talking heads dispense partisan patter in a roomful of hundreds of hectic, on-deadline journalists”.

[«O exercício mais absurdo na política americana decorre sempre nos frenéticos momentos que se seguem a um debate. É a “Spin Alley”, onde cabeças falantes debitam conversa fiada partidária, numa sala cheia de centenas de jornalistas frenéticos, a trabalhar em cima do prazo»].

Por entre as críticas, uma certeza: a spin room foi determinante para as eleições de 2000.

”They beat us after the debate in the spin room” [«Eles venceram-nos depois do debate, na spin room»], considera Tad Devine, da equipa de Al Gore para as presidenciais.

“Their spin was, 'He lied and he sighed,' and that took hold” [«O spin deles era: “Ele mentiu e suspirou” e aquilo pegou»], analisou, em entrevista ao The New York Times.

Sob escrutínio

Nos anos que seguiram, a spin room esteve nas bocas do mundo.

“The spin room - oily engine of the political meat grinder” [«O spin room – o motor oleado do triturador de carne político"], descreveu Jerry Lanson, num artigo do The Christian Science Monitor, em 2003.

Adam Nagourney, principal correspondente político do The New York Times, foi mais longe, boicotando a spin room.

Nagourney defendeu a sua decisão, afirmando que a spin room era “degradating” [«degradante»], “a waste of time” [«uma perda de tempo»] e “essentially a disingenuous exercise” [«essencialmente, um exercício de desonestidade»].

Em 2004, o comediante Jon Stewart fez uma das mais famosas críticas à spin room: “You’re literally walking to a place called deception lane” [«Estás literalmente a entrar num sítio chamado caminho para o engano»].

 

 

O ambiente frenético da spin roomtambém foi satirizado no Late Night with Conan O'Brien.

A personagem Triumph, the Insult Comic Dog acompanhou o pós-debate e inquiriu estrategas e representantes políticos.

Um fenómeno cultural

Apesar dos ataques vindos de várias frentes, a spin roomcontinua a reunir centenas de jornalistas e assessores e a ser uma tradição eleitoral de que o público norte-americano não abdica. Porquê?

 

"This is a whole cultural phenomenon», considera Mark McKinnon, que participou na campanha de Bush em 2004. «People understand that how this gets framed and filtered through the press is often as important as the debate itself.” [«É um fenómeno cultural. […] As pessoas percebem que a forma como isto é enquadrado e filtrado pela imprensa é, muitas vezes, tão importante quanto o debate em si»].

A função do spinner não é distorcer ou adulterar o resultado de um debate, mas sim ajudar o público a compreender os assuntos em questão e os pontos de vista – especialmente os do seu candidato, claro! – para que possa fazer uma escolha informada e consciente.

Uma vez que ambos os candidatos estão representados na spin room, o público tem oportunidade de conhecer os pontos de vista em debate, um confronto no qual a democracia é sempre a grande vencedora.

A imediaticidade e a diversidade de reações são alguns dos contributos trazidos pela spin roompara a comunicação política, caraterísticas que enriquecem a arena mediática.

Isabel Hardman, do The Spectator, aponta outra utilidade desta prática: analisar a estratégia política dos partidos.

“In the spin room we see quite clearly how the parties plan to attack one another and how they want to talk about themselves”.

[«Na spin room vemos com bastante clareza como os partidos planeiam atacar-se uns aos outros e como querem falar de si próprios»].

“Because we know that everything is scripted, we are not listening to the ministers and spinners in order to be persuaded, but to see what it is their party will likely spend the next few days at least saying”, considerou.

[«Uma vez que sabemos que tudo tem um guião, não estamos a ouvir os candidatos e os spinners para sermos persuadidos, mas para ver o que o seu partido vai, provavelmente, passar pelo menos os próximos dias a dizer»].

A spin room não se trata de uma mera extensão do debate; é, ela própria, uma importante ferramenta de comunicação política.

Ao analisar a posição dos candidatos, sumarizar e reiterar as suas principais mensagens, os spinners contribuem para aproximar a política dos cidadãos e transmitir com mais clareza as propostas eleitorais, contribuindo para a informação pública.

O ambiente dinâmico e surpreendente da spin room também ajuda a humanizar os confrontos disputados na arena política.

Foi precisamente nesse espaço que Rick Perry abordou, em 2011, uma gaffe cometida em pleno debate, momentos antes.

O candidato reagiu com humor ao facto de se ter esquecido do nome de uma das três agências governamentais que planeava extinguir.

 

 

Novas vozes

Na corrida às presidenciais de 2016, o democrata Bernie Sanders surpreendeu ao fazer-se representar na spin room por Killer Mike.

“How does a rapper end up supporting Senator Sanders?” [«Como é que um rapper acaba a apoiar o Senador Sanders?»], questionou um jornalista.

“Smokin’ a joint, reading his tweets” [«A fumar um charro, a ler os seus tuítes»], foi a resposta.

A presença de uma celebridade do mundo da música no pós-debate ilustra a capacidade de inovação da spin room e dos seus intervenientes.

 

 

 

Uma inovação tornada ainda mais evidente pelo facto de os restantes candidatos se terem feito representar por porta-vozes mais típicos da spin room, nomeadamente profissionais de Comunicação e figuras políticas.

Mas a Comunicação política e o hip hop nem sempre se encararam de frente.

Em 1992, o vice-Presidente Dan Quayle afirmou que o álbum do rapper Tupac era uma desgraça para a música americana.

“There is absolutely no reason for a record like this to be published” [«Não há razão absolutamente nenhuma para um álbum destes ser publicado»], referiu.

16 anos depois, o tom tinha mudado.

A campanha de Barack Obama para as presidenciais contou com o apoio de vários artistas deste género musical, como Will.i.am e Jay Z.

Uma relação entre política e hip hop levada ao extremo por Kanye West, que anunciou a intenção de se candidatar à Casa Branca em 2020.

 

 

A Comunicação política aprendeu a ajustar-se aos novos tempos, tornando o debate público mais diverso.

Na era do online

Tal como Killer Mike, muitos eleitores  cruzam-se com as mensagens políticas dos candidatos não através dos meios tradicionais, mas das redes sociais.

Os partidos e os candidatos veem-se obrigados a descobrir novas formas de chegar ao público, apostando na informação, na proximidade e na rapidez.

As redes sociais chegaram à política com a mediática campanha de Barack Obama para as presidenciais de 2008.

As plataformas online, em especial o Twitter, assumem-se como um espaço de circulação e oposição de ideias, tornando-se uma alternativa à spin room tradicional.

O seu maior trunfo? O tempo real.

Mas estará a spin room a tornar-se obsoleta?

“For many years, the post-debate ‘spin room’ was the place where campaigns could try to influence debate coverage. Now, there's no delay – campaigns take their candidates' key quotes and, just moments after they happen, push them out online in an attempt to generate momentum and that needed attention”, escreve Scott Detrow para a NPR.

[«Durante muitos anos, a “spin room” do pós-debate era o local onde as campanhas podiam tentar influenciar a cobertura do debate. Agora, não há delay – as campanhas promovem, online, as principais citações dos seus candidatos pouco depois de estas serem ditas, de forma a tentar gerar momentum e essa atenção necessária»].

Em 2004, apenas quatro anos antes da revolução digital de Obama, a comunicação política era muito diferente.

Após os debates Bush-Kerry, foram entregues aos jornalistas folhas de papel com as principais mensagens da campanha.

Uma estratégia hoje completamente ultrapassada, acredita Brian Jones, porta-voz de Mick Romney em 2012.

“I think with Twitter, and the way information now moves, the sense of how the debate is being played out occurs in almost real-time”, considera Jones, em entrevista ao The Huffington Post. “In years past, you may have had to wait until the debate concluded”.

[«Julgo que, com o Twitter, e com a forma como a informação se movimenta hoje, temos a sensação de como o debate está a correr quase em tempo real. Em anos anteriores, tinha de se esperar até o debate estar concluído»].

Apesar da evolução tecnológica, a spin room não se tornou obsoleta; bem pelo contrário.

Esta prática estende-se agora a outras plataformas, contribuindo para chamar mais público para a arena política e aumentar a diversidade do debate.

Nos dias de hoje, pode falar-se de um digital spin.

 

Na sua versão tradicional ou online, a spin room continua a ser considerada tão ou mais importante do que o debate em si para informar o público e promover o confronto de opiniões políticas.

Ao dar projeção a diferentes vozes associadas às várias campanhas, esta prática ajuda os eleitores a tomar uma decisão informada, tornando-se, no limite, num instrumento de democracia.